O Presidente da República enviou hoje uma mensagem à Assembleia da República, indicando que decidiu devolver, sem promulgação, o Decreto n.º 201/XIII, relativo ao regime jurídico de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, com os seguintes fundamentos:
1. O presente Decreto vem reger uma matéria nova, no que respeita ao transporte individual e remunerado de passageiros, com implicações em termos económico-financeiros, sociais e jurídicos: os operadores de transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica (TVDE), operadores esses concorrentes com as tradicionais empresas de Táxis.
A situação não é exclusivamente nacional, antes tem motivado reflexões e debates em curso em inúmeras sociedades, europeias e não europeias.
Não se conhecem casos de regulação nacional específica, sendo portanto o presente Decreto de cariz inovador.
Essas reflexões e debates ganharam expressão mais evidente com o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 20 de dezembro de 2017, que veio expressamente considerar as plataformas eletrónicas disponibilizando o TVDE como efetivos operadores de transportes.
2. O regime ora submetido a promulgação apenas disciplina a matéria de TVDE, anunciando embora o propósito de equilibrar os direitos e as obrigações dos dois tipos de entidades em presença – o TVDE e os Táxis.
Neste domínio, como noutros, trata-se de integrar no nosso ordenamento jurídico inovações tecnológicas significativas, acautelando situações criadas no passado e que merecem proteção.
Há que reconhecer o esforço desenvolvido pelo Governo e pelos partidos que o aprovaram, para tentar encontrar o mencionado equilíbrio.
3. Expresso esse reconhecimento, ainda assim considera o Presidente da República que o diploma suscita duas reservas políticas de fundo.
Primeira reserva – ao abranger só uma das entidades concorrentes (o TVDE) perde a oportunidade de, ao mesmo tempo, rever, em conformidade, o regime legal da outra entidade (os Táxis).
Ou seja, perde a oportunidade de tratar de forma global e com maior equidade o que assim poderia e deveria ter sido tratado.
Segunda reserva – o propósito de alcançar uma solução equilibrada não foi plenamente atingido.
No caso dos Táxis há contingentes, que não existiriam para o TVDE.
E essa diferença essencial deveria ter sido adequadamente compensada.
Sobretudo porque, nos Táxis, as tarifas continuam a ser fixas, ao contrário do TVDE, em que são livres.
Estas duas diferenças económico-financeiras de peso não são compensadas nem pelo uso de corredores BUS, nem pelas praças e o acesso em plena via pública (hailing), hoje muito menos significativos devido à possibilidade de chamada por via eletrónica para qualquer local no TVDE.
Em rigor, a única compensação de vulto poderia ser a contribuição paga pelo TVDE.
Mas, essa contribuição, para a qual chegou a haver montante de relevo proposto no procedimento legislativo, acabou por ficar, no seu valor concreto, nas mãos das autoridades administrativas, e com um patamar mínimo simbólico.
Por outras palavras, a grande compensação da inexistência de contingentes e de um regime favorecido de tarifas para o TVDE pode acabar por ser insignificante.
4. Por estas razões, e embora sabendo que foi amplo o consenso partidário na votação do Decreto e evidente o propósito de procura de equilíbrio na solução legal, o Chefe de Estado solicita à Assembleia da República que mostre abertura para reponderar a mencionada solução, por forma a ir mais longe do que foi (nomeadamente nas tarifas ou na contribuição), na obtenção desse equilíbrio no tratamento de operadores de transportes em domínio socialmente tão sensível, idealmente regulando o TVDE em simultâneo com a modernização da regulação dos Táxis.
Para esse efeito, devolve, pois, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República nº 201/XIII, relativo ao regime jurídico de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.