O Presidente da República decidiu devolver, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII, respeitante ao financiamento partidário, com base na ausência de fundamentação publicamente escrutinável quanto à mudança introduzida no modo de financiamento dos partidos políticos.
Desta decisão deu Sua Excelência o Presidente da República conhecimento pessoal a Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, só devendo a correspondente carta dar entrada amanhã na Assembleia da República.
Carta enviada à Assembleia da República:
“Palácio de Belém, 2 de janeiro de 2018
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República,
Dirijo-me a Vossa Excelência, nos termos do n.º 1 do Artigo 136.º da Constituição da República Portuguesa, transmitindo a presente mensagem à Assembleia da República, relativa ao Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII, que altera a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) e a Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos).
O regime do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é estruturante para a Democracia e essencial para a credibilidade das suas instituições.
Acresce que, quanto a ele, os partidos políticos estão, pela natureza das coisas, obrigados a especial publicidade e transparência, até para não poderem ser, injustamente, vistos como estando a decidir por razões de estrito interesse próprio.
O Decreto submetido a promulgação, contém dois tipos de matérias.
Uma, que esteve na base da sua elaboração, respeita à fiscalização das finanças partidárias pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e pelo Tribunal Constitucional.
Esta parte resultou da chamada de atenção e, depois, decisivo contributo do Tribunal Constitucional, num processo que acompanhei desde a primeira hora e no qual, apesar do carácter técnico das alterações, existiu mínima justificação nos trabalhos parlamentares.
De facto, a Exposição de Motivos do Projeto que veio a converter-se no Decreto permite compreender o alcance das inovações introduzidas, de resto, objeto de expressa, mesmo se sucinta, menção em plenário.
Mas, o Decreto aprovado pela Assembleia da República juntou à matéria de fiscalização das finanças partidárias, outras disposições avulsas, duas das quais especialmente relevantes, por dizerem respeito ao modo de financiamento e por representarem, no seu todo, uma mudança significativa no regime em vigor: o fim de qualquer limite global ao financiamento privado e, em simultâneo, a não redução do financiamento público, traduzida no regime de isenção do IVA. Tudo numa linha de abertura à subida das receitas, e, portanto, das despesas dos partidos.
Ao contrário do sucedido com a outra parte do diploma, quanto às disposições mencionadas não existe uma palavra justificativa na Exposição de Motivos. Mais ainda: não existiu uma palavra de explicação ou defesa no debate parlamentar em plenário, o único, no caso vertente, passível de acesso documental pelos portugueses.
Isto é, uma matéria fundamental no domínio do financiamento partidário é alterada sem que seja possível conhecer, a partir do processo de elaboração da lei, a razão de ser da escolha efetuada.
Ora, pode haver e há várias posições sobre essa matéria: desde a tendência para a redução drástica das receitas e das despesas partidárias até à orientação para o seu aumento sem limites, passando por soluções intermédias de ajustamentos periódicos do limite, em função dos mais diversos fatores; desde o financiamento exclusivamente privado até ao financiamento exclusivamente público, passando por sistemas mistos, dominantemente privados ou públicos. O que não pode haver é decisão sem que seja apresentada qualquer justificação para a opção do legislador.
A Democracia também é feita da adoção de processos decisórios suscetíveis de serem controlados pelos cidadãos.
A isso se chama publicidade e transparência.
Independentemente da minha posição pessoal, diversa da consagrada, como Presidente da República não posso promulgar soluções legislativas, consabidamente essenciais, sem mínimo conhecimento da respetiva fundamentação.
Assim sendo, em homenagem ao papel constitucional dos partidos políticos, exigindo-se neste domínio particular publicidade e transparência, que obste a juízos negativos para a credibilidade de tão relevantes instituições democráticas, juízos esses que alimentem populismos indesejáveis – entendo dever a Assembleia da República ter a oportunidade de ponderar de novo a matéria.
Isto para que ela possa, nomeadamente, de imediato, proceder ao debate e à fundamentação, com conhecimento público, das soluções adotadas sobre o modo de financiamento partidário. Ou, em alternativa, ao seu expurgo, por forma a salvaguardar a entrada em vigor, sem demora, das regras relativas à fiscalização pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e pelo Tribunal Constitucional.
Devolvo, por conseguinte, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII, que altera a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) e a Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos).
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República”